Copa 2014: reflexões gerenciais

Quando recebi a newsletter da AB Consultores com um artigo sobre a Copa 2014 da Georgina, profissional admirável de qualquer ponto de vista, e uma querida para mim, logo percebi o quanto importante era a reflexão que ela propôs ao leitor. Assim, pedi a ela licença para compartilhar com todos vocês por meio do nosso site e prontamente ela me cedeu o seu artigo. Vou deixar o leitor chegar as suas próprias interpretações, mas ao final do texto deixo as minhas percepções.

Copa

Copa 2014: uma reflexão

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“A história é escrita pelos vencedores”, frase atribuída a George Orwell, deve iniciar o ensaio a seguir.

Nossa seleção perdeu na semifinal da Copa do Mundo realizada em nosso país, vergonhosamente, por 7 a 1 para a seleção da Alemanha. Tivesse o Brasil ganhado este jogo, estaríamos hoje celebrando a emoção, a superação e a garra dos nossos jogadores, a visão estratégica do Felipão, a ousadia de sua tática. Contaríamos a história sob a ótica dos vencedores – versão que prevalece nos relatos.

Mas… perdemos a Copa. E é sobre essa perda que me ocorreu elaborar um pequeno ensaio a respeito da força das expectativas, compreendendo-as tanto em seus aspectos estimuladores (aqueles que nos movem) quanto em seus aspectos depreciativos (que nos imobilizam para a ação ou para a superação).

Não sendo esse ensaio direcionado para os esquemas táticos ou para o percurso da nossa seleção, comecemos pelas expectativas depositadas em nossos jogadores e técnicos.

Depois de 64 anos, a Copa é de novo no Brasil. A seleção de 2014 nos redimiria do “Maracanazo”, como ficou conhecida a derrota na final de 1950. Também justificaria os gastos com o evento, os desgastes, as obras inconclusas, as denúncias de superfaturamento. Pela sensação de bem estar que geraria (e gerou, até ontem, dia 08 de julho), melhoraria o nosso humor, aumentaria nosso senso de identidade comum, nossa conhecida hospitalidade. Esqueceríamos dos problemas de base, da violência, do transporte coletivo, da saúde pública. As manifestações, em sua virulência, seriam atenuadas por não contar mais com o apoio do nosso povo, destinado a se sagrar também como uma nação unida e vocacionada para a alegria. Se fomos capazes de superar todas as previsões pessimistas em relação à Copa e confirmamos, com nossas atitudes, que essa é a Copa das Copas, certamente venceríamos todas as outras mazelas… Pobres jogadores, pobre técnico. Neles depositamos nossas incompletudes e faltas, nossa baixa autoestima, nossas fragilidades, todas superadas pelo grito de gol contra nossos adversários, a cada jogo.

Começamos com um gol contra. Prenúncio? Mas ganhamos da Croácia. Empatamos com o México e ganhamos de Camarões. Na base da luta e da garra, fomos para as oitavas de final, aumentando a esperança do povo e a expectativa que chegaríamos lá, no Hexa Campeonato. Ganhamos do Chile nos pênaltis, pós prorrogação. Antes das cobranças, nossos heróis choravam, recusavam-se a encarar seu dever, pediam para não assumir tamanha responsabilidade.  O nosso goleiro por hora redimido, defendeu dois e a trave – a mão de Deus?-  também colaborou: além de nossa competência, o  universo conspirava a nosso favor. Passamos  bem pela Colômbia. E foi nesse jogo – em segundos – que tudo veio abaixo. O herói maior – Neymar – foi duramente golpeado por um adversário.

Daí para a frente, a qualquer hora em que se ligasse a TV, a cena do herói abatido se repetia e se repetia e se repetia. Chorávamos todos a sua fratura – a fratura da esperança nele personificada. E o tom de emoção, o dever de ganhar em seu nome (e, portanto, em nome de todos nós) é transferida como nova obrigação aos nossos canarinhos. Portaríamos a máscara do Neymar e o levaríamos a campo. O hino nacional, entoado com força e plenitude, era acompanhado da nova bandeira nacional – a camisa 10 – hasteada pelo novo capitão. O David.

Em muitos momentos, parecia que estávamos de luto. Os mais velhos se lembrarão da imagem do Tancredo e da peregrinação de seu corpo por São Paulo, Brasília, Belo Horizonte, São João D’El Rey.  Os menos velhos, se lembrarão do cortejo do Airton Senna.  Mas espera aí: Neymar não morreu. Felizmente para todos nós, em breve estará de volta aos estádios.

Que luto então estávamos sentindo? Com tantos símbolos, foi a ausência do Neymar o maior personagem daquele embate que não será esquecido. A extensão de sua ausência foi, talvez, a lembrança mais incômoda e insuportável colocada nos ombros dos nossos jogadores. Não era mais a nação que estava ali representada. E já era muito.  Todos os demais jogadores – bons, medíocres, regulares – seriam todos Neymar. A presença de sua ausência, teimosamente instalada em todos nós, ressaltava a nossa fragilidade e, pelo efeito de comparação, o nosso despreparo.

Quem morreu então? Ou o que morreu? Penso que desde junho de 2013, quando começaram as manifestações totalmente diferentes das até então experimentadas por nós, estamos embalando um luto que, por não ter um morto, não se revela tão claro. Precisa ser ainda desvendado. E que cedeu passagem a uma nova luta, mais alegre, mais combativa, mais partilhada. Nunca fomos tão brasileiros. Nunca fomos tão admirados pelo nosso jeito de ser. Nunca nossas características foram tão exaltadas. Pena que o sonho acabou com um placar tão surpreendente quanto humilhante. E diante de acontecimento tão inusitado em que nossas honras foram expressas por um gol, quase de piedade, voltamos à nossa condição anterior que acreditávamos superada. Olhamo-nos no espelho e não estamos nada felizes com o que vemos. Os mesmos locutores e repórteres que clamavam pela redenção de um grupo medíocre pela via da emoção, são agora os que condenam a substituição do preparo pela simbologia, da técnica pela ousadia adolescente e que, esquecidos do penta conquistado pelo Felipão, agora realçam sua teimosia, sua falta de tática, sua escalação, o cronograma de treinos.

A seleção alemã, pivô dessa ressurgência brasileira, foi uma construção que teve seu tempo, iniciada a partir da copa de 2006. Dezessete de seus jogadores jogam juntos desde este ano. Não foi uma seleção sempre exitosa: perdeu campeonatos europeus, ficou nas quartas de final na copa de 2010. Entretanto, manteve-se o time. Manteve-se o técnico. Manteve-se a crença na construção de uma equipe.

E o que tudo isso tem a ver com a reflexão gerencial mencionada no título? Precisamos, também em nossas empresas, construir o coletivo em detrimento do individual. Deixar de valorizar os heróis para ceder espaço ao time. Substituir a admiração às lideranças carismáticas, pelo compromisso com responsabilidade dos atos individuais. Lembrar que as expectativas positivas, reais de serem alcançadas, podem nos levar a querer sermos melhor do que somos. E as negativas, as impossíveis, a nos sentir castrados e impotentes diante de um ideal que jamais será atingido. E que o poder –ah, o poder – transforma sapos em príncipes e a perda dele, ao inverso, príncipes em sapos.

Comecei este ensaio com George Orwell, um inglês. Termino com o Brecht, alemão: “Infeliz a nação que precisa de heróis”.

E até a próxima Copa. Vai Brasil.

Georgina Alves Vieira da Silva

Doutora em Psicologia Social 

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Para mim ficaram duas questões centrais sobre essa analogia da Copa: ganhar e perder são atos inter-dependentes, onde um só existe em função do outro e por causa deste entranhamento é que não devemos polarizar as nossas análises de forma maniqueísta entre o bem e o mal, o acerto e o erro, a virtude e o defeito,  como se tudo isso estivesse em lados opostos, não estão! São apenas dois lados da mesma moeda e assim as duas situações tem muito, muito a nos ensinar. Saindo do mundo da Copa e trazendo para o mundo corporativo, arrisco a dizer que, as culturas organizacionais que amedrontam seus funcionários em relação aos erros reprimem neles a condição de inovação e a possibilidades de acertos maiores.

E a outra questão nessa analogia com a Copa é a valorização da equipe, mais do que das “estrelas” individuais. Fica a lição da Alemanha, indiscutivelmente um time. Claudia Tanure