A biblioteca de Borges

Comunicação digital pode estar construindo o sonho da biblioteca mágica do escritor argentino, que disponibilizaria toda a forma de conteúdo possível produzido pelo homem

Jorge Luiz Borges sonhava com uma biblioteca com hoje é a comunicação digital
Jorge Luiz Borges sonhava com uma biblioteca com hoje é a comunicação digital

Jorge Luiz Borges escreveu muito sobre a memória. Ele entendia como angustiante a condição do ser humano de esquecer, à medida que vai envelhecendo, todo o conhecimento conquistado ao longo da vida. A saída, segundo o escritor argentino, estaria nas bibliotecas. Num dos seus contos mais comentados, ele descreveu um lugar mágico, a “biblioteca de Babel”, cuja arquitetura e a disposição dos livros possibilitavam, em algumas estantes, concentrar e proteger tudo que a mente humana já conseguiu registrar.

A referência às bibliotecas é tão marcante em sua obra que outro escritor de renome, o lingüista Umberto Eco, criou um personagem com as feições e a personalidade do argentino. No livro “O Nome da Rosa”, o monge “Jorge de Burgos”, um ancião cego que vivia num mosteiro italiano na Idade Média, zelava uma biblioteca em forma de labirinto, um lugar parecido com o descrito no conto de Borges.

O fascínio pelas bibliotecas é justificável. Ao longo da história, em menor ou maior grau, elas sempre foram símbolos de imponência. As maiores significavam até poder geopolítico às cidades, como as de Alexandria, Bagdá e Praga. Atualmente, porém, elas deixaram de ser a principal fonte para quem busca conhecimento. Essa função passou a ser exercida pela internet.

Borges não teve muito contato com o meio. Ele morreu em 1986, quando o computador pessoal era pouco difundido, mesmo na desenvolvida Genebra, onde vivia. E a internet, já fora dos círculos militares, não concentrava as infindáveis informações, de todas as línguas e culturas, que vemos hoje em dia. Caso estivesse vivo, o argentino se espantaria ao perceber que a comunicação digital, cada vez mais acessível, estaria garantindo ao homem a libertação das amarras da ignorância.

De fato, a qualquer um, e a qualquer hora do dia, estão à disposição páginas relacionadas a todas as esferas do conhecimento. Grandes universidades publicam por ali periódicos, disponibilizam obras, oferecem cursos. Informações chegam em tempo real, comentadas por especialistas das mais diferentes correntes de pensamento. Empresas se posicionam. Trabalhadores se especializam. Pessoas recorrem a ela quando a memória, que tanto atormentou o argentino, andar falha.

Como se não bastasse, é ainda para a internet onde estão se refugiando as grandes bibliotecas. Nesse ano, gestores da Biblioteca da Bagdá iniciaram a digitalização do acervo do local. Livros e manuscritos de milhares de anos, com relatos sobre o Iraque antigo e de todo mundo árabe, estão sendo copiados e armazenados em microfilme. O objetivo é protegê-los do avanço do Estado Islâmico sobre a região, um poder paralelo que vem destruindo a riqueza cultural e histórica dos locais onde passa a exercer controle. Todo o conhecimento da de Alexandria foi embora junto com o incêndio do século V, provocado durante uma guerra no Egito. Por força da tecnologia, Bagdá não correrá esse risco.

Outra que está a salvo é a biblioteca de Borges. Há alguns dias, Jonanthan Basile, um programador americano aficionado por lingüística, lançou um projeto em que recria na forma digital a Babel do escritor argentino. Por caminhos que só os experts em informática entenderiam, Basile desenvolveu um site capaz de registrar as combinações possíveis de símbolos, letras e pontuações existentes.

“Todos os livros que já foram escritos, e todos os livros que jamais poderiam ser – incluindo cada jogo, cada canção, cada artigo científico , cada decisão jurídica , todas as constituições , cada pedaço de escritura, e assim por diante “. Ao explicar a biblioteca de Borges para o The Guardian, Basile talvez tenha descrito a internet, em um futuro não muito distante.

Borges XXXXXX
Borges e seu universo do conhecimento

Por Thiago Silvério

Jornalista da Press Comunicação