O senador centroavante

Falsa denúncia contra Romário levantou novamente questões sobre ética e jornalismo

O senador Romário foi atrás do esclarecimento dos fatos para a notícia da Veja não prejudicar a sua imagem

O senador Romário foi atrás do esclarecimento dos fatos para a notícia da Veja não prejudicar a sua imagem

O futebol ocupa, há algum tempo, grande parte dos noticiários. Por questões de audiência e demanda de leitores, claro. Treinos, jogos e pós-jogos, porém, todos muito iguais, costumam ser exauridos de boas pautas, pelo menos em quantidade suficiente para suprir a meta diária de manchetes exigidas dos repórteres. E nessas horas de assunto escasso, é sempre bom ouvir um jogador como Romário.

O centroavante eleito o melhor jogador do mundo em 1994, ano em que foi referência do ataque da seleção tetracampeã, não tinha qualquer freio em entrevistas.  Tratava desafetos com ironia. Reclamava de treinos, de técnicos, de torcedores, do Pelé. Para o Rei do Futebol, que havia lhe sugerido encerrar a carreira, Romário respondeu que ele só abria a boca para falar besteira. “Todo mundo sabe que o Pelé calado é um poeta”, afirmou para as câmeras de TV, depois de um jogo de futevôlei na Barra da Tijuca.

A fama do futebol lhe rendeu um cargo de deputado federal, em 2010, e de senador, em 2015. Como autoridade do poder público, Romário passou a ser questionado pelos os que escrevem nas páginas de política, para quem não faltam pautas para enchê-las. E transitar em Brasília,   um campo político onde, como se sabe, as jogadas costumam não ser tão leais.

Dias desses, Romário foi acusado na Veja de manter às escondidas uma conta milionária no banco suíço BSF. O montante, próximo a R$ 7,5 milhões, estaria no país europeu para burlar o fisco, o que explica a sua não declaração na prestação de contas à Justiça federal, em 2014. O texto ainda propõe um paralelo entre o discurso pela ética política que o parlamentar se presta e a sua vida financeira, conduzida de forma supostamente duvidosa.

O deputado negou. A revista reforçou a denúncia em nota postada em seu site. “Ao contrário de Romário, Veja não tem nenhuma razão para duvidar da autenticidade do extrato que publicou. Essa conta, portanto, não fecha facilmente”. Coube a Romário, como nos melhores tempos de Vasco da Gama, correr atrás.  Ele entrou em contato com o banco e comprovou o que ele já havia adiantado à reportagem: não havia qualquer relação entre o cidadão e a instituição. Em posicionamento divulgado a imprensa, o BSF afirmou que o extrato apresentado pela revista era falso.

Acabou que o acusado fez o papel de apuração que os repórteres, por algum motivo, não quiseram fazer. De acordo com os manuais de jornalismo, e ao contrário do que dizia a nota, a Veja deveria ter todas as razões existentes para duvidar da veracidade de qualquer documento que chegar à sua redação.

A revista reconheceu o erro, mas acabou colocando a responsabilidade nas pessoas que levaram o extrato para as mãos dos repórteres. Uma justifica que tirou do sério muita gente que se dedica à profissão, entre eles Alberto Dines, professor na faculdade de comunicação da Unicamp, ex-diretor da Folha de S.Paulo e do Grupo Abril. “Tentar transferir às fontes a responsabilidade por um crime é um artifício diabólico. Lavar as mãos num caso destes, e com tamanha leviandade, é amoral. A responsabilidade foi de quem não quis ou não tem grandeza para averiguar a veracidade da informação. E, sobretudo, de quem não está a altura de ocupar uma função historicamente associada à decência, respeito humano e integridade”, disse, em artigo no Observatório da Imprensa.

Romário parece estar mais desenvolto na cobertura das editorias de política. E já toma uma postura parecida com as de seus dias de atacante, quando direcionava suas falas aos desafetos.  Em seu perfil em uma rede social, convidou os visitantes a verem um trecho do filme “O mercado de notícias”, de Jorge Furtado, que fala sobre ética na reportagem. “Vale assistir! O jornalismo com responsabilidade é um dos mais importantes pilares da nossa democracia, mas precisamos ter consciência dos processos jornalísticos”, disse o homem que mandou o rei se calar.

Por Thiago Silvério

Jornalista da Press Comunicação

Pauta aberta: análise do caso Hoje em Dia X SEDS

A necessidade da sociedade por informações depende do consenso quase impossível na relação entre jornalistas e as fontes do poder

SEDS divulgou a pauta do jornal Hoje em Dia em seu site

SEDS divulgou a pauta do jornal Hoje em Dia em seu site

Um embate ocorreu na última semana no jornalismo de Belo Horizonte. De um lado, o Hoje em Dia, jornal com quase 30 anos de circulação. De outro, a Secretária de Estado de Defesa Social (SEDS) de Minas Gerais, órgão criado para integrar as ações das polícias e gerenciar o sistema prisional. Entre acusações de falta de ética e perseguição editorial, o episódio explicita o quanto é fina a corda por onde se equilibram e dialogam fonte e repórter.

A história começou com uma pauta sobre supostos problemas na chefia da polícia civil, cuja desorganização estaria contribuindo para o sucateamento da entidade. A denúncia teria partido dos próprios profissionais de segurança, via os sindicatos dos Servidores da Polícia Civil (Sidnpol) e dos Delegados de Polícia (Sindepominas). A reportagem solicitou uma entrevista ao Secretário Bernado Santana e encaminhou, por e-mail, algumas perguntas. Não só as respostas não vieram como as perguntas e os argumentos da repórter foram divulgadas no site da SEDS, junto a uma nota de repúdio ao jornal, assinada pelo próprio secretário.

No texto, Santana se dizia ultrajado. “Desde que fui anunciado como secretário, o Hoje em Dia vem apregoando a minha saída, o que denota uma aspiração, algo estranho à apuração de cunho jornalístico, ainda mais por estar a contrapelo dos fatos”. Outro que se manifestou foi Bernardino Furtado, assessor de imprensa SEDS, ao comentar o caso para o informativo Jornalistas&Cia.  Ele disse que a Secretaria apenas aproveitou os canais de comunicação que dispõe para tornar público a campanha que o jornal faz contra Santana, realizada sem elementos factuais.

O Hoje em Dia também deu a sua versão, por meio de um editorial publicado no dia 25 de julho. “Em lugar de uma resposta às perguntas que foram feitas pela nossa reportagem, fomos surpreendidos com a exposição pública da pauta, em uma clara agressão ao jornal, à repórter que apurava o assunto e ao direito constitucional que todo cidadão tem de questionar o Poder Executivo sobre aspectos que são de evidente interesse público”.

Não se pode negar à fonte, e a sua assessoria, a postura de querer preservar a imagem do órgão que representa. Nem a possibilidade de levantar suspeitas sobre uma campanha antiética promovida por um veículo. A Constituição Federal garante esse direito ao descrever os crimes contra a honra, que inclui calúnia e difamação. Porém, em se tratando de um órgão público, cujas atividades devem, também por lei, serem divulgadas de forma correta, a omissão de dados sempre será um problema.

Do outro lado, é função dos repórteres se aprofundar em assuntos de interesse da sociedade, dando voz a todos os lados possíveis. E a apuração seria a principal ferramenta para esses profissionais exercerem o seu papel social. Muita gente que escreveu sobre cidadania falou a respeito. Rui Barbosa disse, lá em 1920, durante uma conferência sobre a imprensa, que os jornalistas representam os olhos da população. Afirmou que se os jornais não servissem à clareira das estradas, conduziriam todos para a escuridão. Deixando de lado as figuras de linguagem, Barbosa explicava que,sob qualquer circunstância, o jornalista agirá pelo interesse público, principalmente quando quer revelar algo que os detentores do poder querem esconder.

Infelizmente, o ruído entre o Hoje em Dia e a SEDS se sobrepôs a informação. O rompimento da corda que ligava a fonte e o jornalista acabou virando notícia.

Por Thiago Silvério

Jornalista da Press Comunicação

Obrigado pela vaia

Artistas, com talento e atitude, e empresas, como a Natura, com boas estratégias de comunicação, conseguem reverter cenários ruins e fazer das críticas oportunidades de crescimento

 

Fachada da loja da Natura na rua Oscar Freire. O Fusca foi utilizado por Luiz Seabra para comprar sua participação na sociedade da empresa

Fachada da loja da Natura na rua Oscar Freire

Jards Macalé costuma defender ideias que, em boa parte das vezes, fogem do senso comum. Tempos atrás, iniciou uma corrente em defesa do acréscimo da palavra “amor” à frase “ordem e progresso” na bandeira nacional. Nos argumentos, o respeito ao lema do positivismo, cunhado pelo pensador italiano Augusto Comte, cujos estudos de sociedade serviram de base para a construção da república do Brasil. A sua proposta mais recente, porém, não precisa ser levada ao Congresso. Na sua turnê atual, ele vem pedindo para ser vaiado pela plateia.

Foi assim em Belo Horizonte, em sua última apresentação, no início de julho, para o festival “Inverno das Artes”. Antes de tocar “Gothan City”, uma de suas parcerias com o poeta Capinam, ele conclamou os presentes a soltarem uma sonora vaia, do primeiro ao último acorde. Não se tratava de autoflagelo, mas de um regozijo de memória, como o próprio explicou. Quando foi apresentar a música no Festival Internacional da Canção, em 1969, no Rio de Janeiro, Macalé foi vaiado de forma enfurecida, pelo fato de ele e sua banda usarem guitarras elétricas, tidas como ofensa à cultura do país.

Aquela vaia, entre outras manifestações de ódio, significou muito. Foi a partir dela que Macalé se propôs a seguir sua trajetória de contracultura. O músico se tornou mais experimental. Compôs canções que, mesmo fora das paradas de sucesso, ajudaram a direcionar a nova música brasileira que emergiu na década de 70. Contribuiu para a construção da identidade artística de Caetano Veloso, Gal Costa e Gilberto Gil, só para ficar entre os baianos. Para o Caetano, por exemplo, produziu, tocou guitarra e fez os arranjos do disco Transa, de 1972, presença obrigatória em qualquer lista nacional de melhores álbuns de todos os tempos.

As vaias que Macalé ouviu foram parecidas com as que tentaram agredir, anos antes, Bob Dylan, no memorável show no festival de folk da cidade de Newport, Estados Unidos. Na ocasião, Dylan apresentava ao público que o viu nascer como compositor a sua face rock‘n’roll, com guitarras e baterias. O estranhamento se deveu pelo fato de o jovem músico de “Blowin’ In The Wind” ser símbolo das baladas de resistência, baseadas unicamente na voz e violão. “No momento em que a banda tocou os primeiros acordes de uma versão elétrica de ‘Maggie’s Farm’, a plateia entrou em estado de choque. Quando a banda terminou de tocar ‘Farm’ houve poucos aplausos, reservados, e um turbilhão de vaias”, disse o biógrafo Robert Sheldon. A história desse show foi contata recentemente pelo repórter Daniel Camargos, em matéria para o Estado de Minas.

A má recepção de Dylan teve grande relevância. Críticos apontam o episódio em Newport como divisor de águas na sua carreira e, sobretudo, no caminho que o rock tomou. Contribuiu para Dylan, com o ego ofendido, decidir abraçar o gênero musical, que ganhava, então, de forma definitiva, um de seus maiores poetas.

As posturas de Dylan e Macalé de reconhecer a vaia e tomá-la como rampa para vôos maiores têm consonância no mundo empresarial. Há casos de grandes empresas que identificaram um nicho de mercado, se fortaleceram e tornaram líderes após enfrentarem momentos difíceis, de não aceitação de seu público e de seus pares. A diferença é que enquanto os músicos contornaram a adversidade basicamente com talento e atitude, muitas dessas empresas conseguiram se superar principalmente com boa comunicação.

No Brasil, a Natura, cliente da Press há mais de 10 anos,  tem uma história parecida. No ano do festival em que Macalé foi hostilizado, Luiz Seabra inaugurava uma loja de cosméticos na Rua Oscar Freire, em São Paulo. Embora de alto padrão, o endereço ainda não era a referência de luxo que seria anos depois. A empresa já começava na contramão do mercado. Na época, os cosméticos de cunho terapêutico, formulados com princípios ativos de origem natural, não eram bem recebidos. Ainda mais os que Seabra oferecia, que eram envasados em embalagens simples, meio artesanais. Enfim, seria uma empresa fadada ao fracasso.

A guitarra elétrica da Natura foi o atendimento aos clientes, que é a forma mais básica da comunicação corporativa. Seabra gastava longo tempo conversando com os que chegavam a loja. Tentava conhecer suas necessidades. Tornou-se, portanto, uma espécie de consultor, enquanto outras lojas do gênero tinham apenas balconistas.

Ele entendeu também que o público de cremes para pele e outros produtos de beleza buscava elevar a autoestima. Já nesse início a empresa encontrou o mote de sua comunicação. A Natura passou a ser a instituição que entrega produtos de qualidade, com potencial para ajudar as pessoas a se relacionarem melhor com seu próprio corpo. Aos poucos, o cenário ruidoso foi se transformando, à medida que a comunicação eficiente fazia esse discurso chegar a mais gente, a mais lugares. A empresa conseguiu, ao longo dos anos, incutir esses valores aos funcionários, que repassaram aos clientes, criando uma espécie de corrente de informações benéfica ao negócio.

Os resultados surgiram. Hoje, a marca está avaliada em U$ 3,2 bilhões, de acordo com o estudo da Brand Finance. É a marca mais valiosa da América Latina, sendo a única do segmento de cosméticos listada. As dificuldades ficaram para trás, como ecos de um show antigo no Maracanãzinho. As vaias daqueles primeiros anos só serviram para afinar os instrumentos.

Por Thiago Silvério

Jornalista da Press Comunicação